História
O Teatro
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Adquirido pelo Estado em 1992, o São João Cine é inaugurado como Teatro Nacional São João no final desse ano, tendo como diretor Eduardo Paz Barroso. Programas de cariz musical predominam durante os primeiros anos de vida da instituição. A programação teatral consiste em acolhimentos de produções externas, com exceção da criação de A Tempestade, de Shakespeare, encenada por Silviu Purcărete (1994).
Entre 1993 e 1995, o edifício é submetido a obras de restauro. Reabre em setembro de 1995 e, três meses depois, Ricardo Pais é nomeado diretor, conduzindo até julho de 2000 um projeto com personalidade artística própria, retomado em 2002, após um período em que o exercício das mesmas funções é assegurado pelo ator e encenador José Wallenstein.
Criador teatral residente, cujo labor assegura coerência ao projeto artístico, Ricardo Pais assina a sua primeira encenação na casa em meados de 1996: A Tragicomédia de Dom Duardos, de Gil Vicente. Neste período, estabelecem-se as bases de um grande polo de criação teatral de serviço público. O TNSJ investe na articulação com a realidade cultural do Porto através de uma política criteriosa de coproduções, envolvendo-se na criação de espetáculos com companhias da cidade como o Ensemble, Teatro Bruto, Teatro de Marionetas do Porto, ASSéDIO, As Boas Raparigas…, Visões Úteis, entre outras. Esta partilha de métodos de trabalho em todas as frentes de produção e divulgação estende-se também, desde logo, a companhias nacionais como o Teatro O Bando, Teatro da Cornucópia e Teatro Meridional, prolongando-se no decurso dos anos a companhias como o Novo Grupo/Teatro Aberto, Teatro da Garagem, Escola de Mulheres e Teatro Praga.
Paralelamente, o TNSJ desenvolve uma aproximação aos circuitos internacionais de criação teatral, nomeadamente através da participação de criadores estrangeiros em produções próprias (destaque para o encenador Giorgio Barberio Corsetti e o videasta Fabio Iaquone) e do festival PoNTI – Porto. Natal. Teatro. Internacional. As edições de 1997, 1999, 2001 (excecionalmente, disseminada por todo o ano) e 2004 dão a conhecer uma multiplicidade de experiências cénicas assinadas por encenadores como Robert Wilson, Eimuntas Nekrosius, Robert Lepage, Peter Stein, Stéphane Braunschweig, Jérôme Deschamps & Macha Makeïeff, Alain Françon, Ivo van Hove, Thomas Ostermeier, Anatoli Vassiliev, entre tantos outros.
Afirmando o palco como lugar privilegiado de conhecimento da polimorfia da língua, o TNSJ elege a palavra como eixo ético de todo o investimento cénico, revelando ou revisitando textos de uma ampla diversidade de autores, com destaque para os de língua portuguesa – de António Ferreira a Fernando Pessoa, de António José da Silva a Maria Velho da Costa ou do Padre António Vieira a Jacinto Lucas Pires. A estes nomes haverá ainda que acrescentar outros, clássicos e contemporâneos, da dramaturgia universal: Shakespeare, Calderón, Corneille, Molière, Otway, Wedekind, Büchner, Tchékhov, Jarry, Pirandello, Ionesco, Beckett, Goldoni, Friel, Handke, entre muitos outros.
O TNSJ consagra desde 1996 um espaço expressivo à dança. Refira-se, a título de exemplo, o ciclo Dancem!, realizado em 1996 e 1997, depois retomado entre 2003 e 2005, mas também os ciclos dedicados em anos mais recentes a criadores nacionais como Olga Roriz, Rui Horta, Né Barros e Paulo Ribeiro. Também coreógrafos como Gilles Jobin, Jérôme Bel, La Ribot, Marie Chouinard, Alain Platel e Wim Vandekeybus são apresentados no âmbito da programação destes anos.
Encontrando na música uma particular capacidade de libertação de imaginários cénicos, o TNSJ desencadeia também experiências de cruzamento de atores com o canto (destaque-se o caso fundador de Linha Curva, Linha Turva, em 1999), de encenadores com a ópera (a título de exemplo, refiram-se O Belo Indiferente, de Francis Poulenc, 1997; O Boticário, de Haydn, 1999; e The Turn of the Screw, de Benjamin Britten, 2001), de músicos – como Jeff Cohen, Pedro Burmester, Nuno Rebelo ou Vítor Rua – com os desafios da cena. A “fatalidade cénica” da música prolonga-se em espetáculos designados “músico-cénicos”, que envolvem a incursão no fado (pela sua projeção internacional, Cabelo Branco é Saudade, de 2005, será provavelmente o mais emblemático) e a participação de compositores como Rabih Abou-Khalil e Arrigo Barnabé. Assinale-se que a interdisciplinaridade cultivada no TNSJ leva também a casa a programar, produzir e/ou apoiar diversos festivais de spoken word, performance, live art, música eletrónica e música experimental e improvisada.
A par de toda a produção artística, o TNSJ efetua um investimento crescente numa política editorial capaz de contrariar a efemeridade da aventura teatral e multiplicar as perspetivas sobre as criações apresentadas. Deste esforço resultam a edição de textos dramáticos e ensaísticos (em parceria com a editora Cotovia e, depois, com a Campo das Letras e as Edições Húmus), o lançamento de CD, vídeos e DVD de espetáculos da casa, para além de programas e outras publicações destinadas a documentar a especificidade de cada projeto.
Reveste-se de especial significado o facto de, em 2003, o TNSJ assumir a responsabilidade pelo renovado Teatro Carlos Alberto, antigo Auditório Nacional, dirigido por Nuno Cardoso, encenador que assina nos anos seguintes diversas produções da casa. Enquanto segunda sala do TNSJ, o Teatro Carlos Alberto afirma-se como espaço privilegiado de trabalho em colaboração com companhias e criadores da cidade, mas também como lugar originário de criação e ponto de circulação fundamental para boa parte da produção portuguesa contemporânea.
Ponto culminante do processo de internacionalização – assente até ao momento na realização do PoNTI, e também esboçada em coproduções internacionais, como Raízes Rurais, Paixões Urbanas (1997), ou na breve inscrição na Convenção Teatral Europeia durante o mandato de José Wallenstein – é o reconhecimento da singularidade do projeto artístico de Ricardo Pais por parte da União dos Teatros da Europa (UTE), que, em 2003, aprova a integração do TNSJ na rede de “teatros de arte” fundada por Giorgio Strehler. A consequência mais evidente desta adesão acontece no ano seguinte, com a realização no Porto do XIII Festival da UTE. Nestes anos, a afirmação internacional do TNSJ intensifica-se através de iniciativas como o Portogofone (edições de 2004 e 2007) e da crescente circulação de produções da casa em palcos europeus. Espetáculos como Woyzeck, de Büchner, enc. Nuno Cardoso (2005), e diversas criações de Ricardo Pais (UBUs, de Alfred Jarry, em 2005, D. João, de Molière, em 2007, e Turismo Infinito, a partir de Fernando Pessoa, em 2008) são apresentados em grandes palcos internacionais. Paralelamente, são também promovidos intercâmbios e parcerias com estruturas como o Teatro de La Abadía (Madrid), o Teatre Lliure (Barcelona), La Comédie de Reims, o Teatro di Roma e o Teatro Stabile di Torino, assinalando o estatuto de maioridade do TNSJ no circuito europeu. A internacionalização da casa não se circunscreve, todavia, ao espaço europeu e comunitário, mas abrange também o Brasil, envolvimento de que as digressões brasileiras de Madame, de Maria Velho da Costa, em 2000, e de Sombras, de Ricardo Pais, em 2012, são experiências marcantes. Em 2013, o TNSJ acolhe uma parte significativa do evento O Ano do Brasil em Portugal, dedicando alguns meses da sua programação a espetáculos de teatro e dança de criadores brasileiros, como Christiane Jatahy e Felipe Hirsch. Apenas dois anos antes, em 2011, promove, em estreita colaboração com quatro parceiros da comunidade teatral da região Norte e o envolvimento ativo da UTE, o projeto Odisseia, que envolveu a organização de um colóquio internacional e a programação de um conjunto alargado de espetáculos assinados por nomes importantes da cena europeia, como Pina Bausch, Peter Brook ou Josef Nadj.
Em 2007, o Teatro Nacional São João é integrado no sector empresarial do Estado, recebendo a designação de Entidade Pública Empresarial, passando Ricardo Pais a acumular as funções de Presidente do Conselho de Administração e Diretor Artístico. Simultaneamente, é atribuído ao TNSJ o Mosteiro de São Bento da Vitória que, para além de acolher vários serviços da casa, como o Centro de Documentação, assume a condição de espaço de apresentação de espetáculos e programas complementares.
No início de 2009, Ricardo Pais renuncia às suas funções no TNSJ. Sucede-lhe, no cargo de Diretor Artístico, o encenador Nuno Carinhas, criador indissociável da identidade artística do TNSJ, e, nas funções de Presidente do Conselho de Administração, Francisca Carneiro Fernandes, que integrava a equipa diretiva desde 2003. Em anos recessivos, marcados por cortes orçamentais, pelo desinvestimento público no sector das artes performativas e pela retração do apoio municipal à cultura, o TNSJ procurou garantir a sobrevivência do tecido teatral da cidade, através do fortalecimento de uma política de coprodução com grupos do Porto e do país. Numa nova conjuntura, o TNSJ investiu, em particular, pela mão de Nuno Carinhas, na dramaturgia de língua portuguesa, de Gil Vicente (Breve Sumário da História de Deus, 2009; Alma, 2012) a Maria Velho da Costa (Casas Pardas, 2012) ou Jacinto Lucas Pires (Exatamente Antunes, 2011), embora um dos gestos programáticos mais relevantes destes anos tenha sido a montagem, inédita em Portugal, de Os Últimos Dias da Humanidade, de Karl Kraus, uma obra colossal destinada, segundo o seu autor, “a ser representada por um teatro do planeta Marte”.
Em 2018, Pedro Sobrado assume a presidência do Conselho de Administração, substituindo Francisca Carneiro Fernandes. No TNSJ desde 2000, Pedro Sobrado trabalhava no departamento de Edições, tendo colaborado como dramaturgista em diversas produções da casa. O novo órgão de gestão é ainda composto pelas vogais Susana Marques, que iniciava a sua ligação à instituição, e Sandra Martins, que já integrava o anterior Conselho de Administração. Revertidos gravosos cortes orçamentais que garroteavam o funcionamento e a atividade da casa, foi possível promover o reposicionamento institucional do TNSJ no quadro das comemorações do Centenário do edifício projetado pelo Arq. Marques da Silva, que envolveu uma obra de reabilitação do seu interior e a substancial modernização do parque técnico, a reafirmação do TNSJ como estrutura de produção artística, a renovação da sua identidade visual, a formalização de um Centro Educativo que amplia hoje o raio de ação deste Teatro Nacional e um novo impulso conferido ao projeto editorial da casa, objeto de amplo reconhecimento público.
Em janeiro de 2019, Nuno Cardoso regressa à casa na qualidade de Diretor Artístico, para promover a encenação de textos de autores centrais do repertório universal (Büchner, Genet, Ibsen ou Shakespeare), revisitar clássicos do teatro português (Castro, de António Ferreira), patrocinar a estreia de dramaturgos nacionais (Suécia, de Pedro Mexia) e desviar para a cena romances como Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago, e Fado Alexandrino, de António Lobo Antunes. A revitalização da prática de produções próprias andou a par de uma aposta em projetos internacionais que envolveram efetivas trocas culturais e a difusão e miscigenação da língua portuguesa, de que são emblemas KastroKriola, produção protagonizada por atores cabo-verdianos, e Ensaio Sobre a Cegueira, espetáculo bilingue que resultou de uma coprodução com o Teatre Nacional de Catalunya, ou o convite ao encenador romeno-húngaro Gábor Tompa para trabalhar com um elenco português em À Espera de Godot, de Samuel Beckett. Saliente-se ainda, nestes anos, o aumento das parcerias estabelecidas com outros teatros e instituições culturais nacionais, o que representou, nomeadamente, um reforço significativo e sem precedentes da itinerância dos espetáculos produzidos pelo TNSJ.
Do conjunto de iniciativas que marcaram estes últimos anos, importa relevar as comemorações do Centenário do Teatro São João, que envolveu, para além do reforço da programação artística internacional (de que Bajazet, de Frank Castorf, foi porventura o ponto culminante), a concretização de um ambicioso programa cultural que colocou em perspetiva o edifício projetado por Marques da Silva e o projeto de Teatro Nacional que o habita desde os anos 90 do século passado. Deste último, destaque para a exposição 10 Atos: 100 Anos, a edição de seis volumes dos Cadernos do Centenário e o colóquio internacional dedicado às missões, tensões e transformações dos Teatros Nacionais, cuja conferência de abertura foi abrilhantada por Marvin Carlson, influente teatrólogo norte-americano.
Em junho de 2024, Pedro Sobrado retoma a presidência do Conselho de Administração do Teatro Nacional São João, cargo que exerceu entre 2018 e 2023. Neste regresso, faz-se acompanhar por Cláudia Leite e por Nuno Mouro como vogais.